A gerente entrou na cozinha e imediatamente todos adquiriram uma posição de prontidão. Ela olhou o grupo de dez pessoas, um por um, e eles se entreolharam entre si, ansiosos.
– Por favor, eu não, eu não, eu não – Valmir disse, baixinho, enquanto prendia o avental ao corpo.
– Valmir e Brenda, a mesa cinco hoje é com vocês – e saiu.
No fundo do grupo, Valmir bufou e fez uma careta enquanto o restante dos garçons se espalhava pela cozinha.
– Isso é culpa sua, você me dá azar – ele disse à Brenda, que achou graça.
– Pense pelo lado positivo, mesa grande é igual à gorjeta maior.
– Vai sonhando. Eu aposto que vai chegar um grupo de adolescentes barulhentos que não sabem o que pedir e, quando finalmente escolhem, em cinco minutos pedem para cancelar o pedido e mudam tudo. “Eu vou querer uma costela com fritas / Julinha, você voltou a comer carne? / Ai, me esqueci, sou vegana! Ei, garçom, eu quero uma salada, mas tire o frango, o queijo, o molho, o sal, o azeite e o talo das alfaces” – ele imitou a voz de duas jovens – E a gente tem que ficar lá, fingindo que gosta deles e que atura eles, e no final recebe a pior gorjeta da noite.
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Brenda soltou uma gargalhada alta.
– Pois eu aposto que serão trinta senhorinhas simpáticas, gentis e de mão aberta.
– Trinta?! – ele arregalou os olhos – Achei que fosse uma mesa para dez, no máximo.
Brenda cruzou os braços e balançou a cabeça em negativo.
– Acho que o anfitrião chegou – Valmir e Brenda se aproximaram da porta da cozinha e através do vidro redondo espiaram a mesa comprida no canto do salão onde um homem de mais ou menos trinta anos ajeitava a gola da camisa, empolgado.
– Eu vou – Valmir saiu em direção ao homem e Brenda permaneceu no lugar.
– Ele pediu um chopp, mas não quer comer nada ainda, vai esperar os amigos chegarem.
– Ele é todo bonitão, deve ter uma namorada. É aniversário dele? Trouxe bolo?
– Parece que sim, mas sem bolo. Quem tem trinta amigos nessa idade? – Valmir pegou uma caneca grande e limpou com um pano úmido.
– Acho que eu tenho – ela parou para pensar enquanto conferia nos dedos – as amigas de baile, de trabalho, do curso… se não dá trinta, chega perto.
Vinte minutos depois de servir o cliente, Valmir e Brenda continuavam espreitando pelo vidro, confabulando teorias sobre a vida do homem.
– Ele tem cara de advogado – ela disse.
– É melhor você ir até lá e conferir se ele quer outro chopp.
Brenda voltou com uma resposta em afirmativo e olhou o relógio.
– Eles estão bem atrasados.
– Aposto que estão dando as desculpas mais cretinas para não vir. Olha lá, ele não para de olhar o celular e responder mensagem.
– Isso é tão triste, não vir ninguém no seu aniversário.
– Não se você for um cretino também.
– Não acho que seja o caso.
Brenda saiu para servir a bebida e Valmir observou o homem sendo gentil com ela. Ele puxou um assunto com a garçonete e os dois conversaram por alguns minutos.
– E então? – Valmir mal esperou Brenda entrar de volta na cozinha e a interpelou, curioso.
– Eu não disse que ele era advogado? Chamou todo mundo do escritório, até os estagiários. Uma porção de arancini! – ela gritou em direção aos cozinheiros enquanto prendia um papel na bancada.
– E onde eles estão? O coitado já está esperando há quase quarenta minutos.
Brenda levantou os ombros.
– Sabe no que estou pensando? Pior do que atender a uma mesa de trinta pessoas impacientes, é passar a noite inteira atendendo a uma pessoa só – Valmir deixou transparecer a sua frustração.
– Sem grandes gorjetas hoje, meu amigo – ela fez uma pausa e esticou o pescoço – Mas estou começando a ficar com pena dele. Será que ninguém vem?
Ao passar uma hora que o cliente esperava seus convidados, a gerente entrou na cozinha e procurou Valmir e Brenda.
– Vão até lá e peçam uma daquelas mesas. O salão está cheio, tem uma fila imensa lá fora e este cara está segurando cinco das minhas mesas. Vão.
Os dois garçons se entreolharam e Valmir se adiantou para cumprir a ordem da gerente. Pela porta entreaberta, Brenda viu o homem assentir com um semblante já menos empolgado e Valmir afastar uma das mesas, deixando o cliente na ponta, olhando para um estirão menos comprido, mas ainda vazio.
– Alguém ainda vem? – Brenda quis saber assim que o colega voltou do salão.
– Ele espera que sim.
Entre idas e vindas à mesa do cliente, ora para saber se ele estava bem e confortável, ora para oferecer o prato principal da casa, ora para levar mais uma bebida, Valmir e Brenda acompanharam o tempo passar e o homem permanecer sozinho. Conferia o celular, recebia uma ligação, ouvia uma mensagem em áudio, tudo indicava que todos os seus convidados desmarcaram o convite. Outros clientes entravam e saíam, mas ninguém se dirigia até lá para sentar com ele e dar-lhe um feliz aniversário.
– Estou tão triste. Por que será que ninguém veio? – Brenda lamentou.
– Vai saber. Está cheio de filho da puta no mundo.
– O que você faria no lugar dele? Acho que eu já teria ido ao banheiro chorar.
– Ele já foi ao banheiro, mas não dá pra saber se chorou.
– O que você faria?
– Levantaria e iria para casa. Ele deveria ter comprado um bolo, pelo menos teria um doce para comer.
– Talvez estivesse esperando que algum amigo trouxesse.
A gerente entrou de supetão e deu de cara com os dois encostados na bancada.
– Por que vocês dois estão aí parados?? O cliente da mesa cinco está pedindo a conta. Vão logo e liberem as mesas.
– Já sei! – gritou Brenda assim que a gerente deu as costas – Toma aqui – ela tirou umas cédulas do bolso da calça jeans – Vai lá naquela padaria da rua de trás e compra um bolinho. Vamos cantar parabéns pra ele. Traz uma vela.
– O quê?!
– Vai, Valmir! Antes que a doida volte – disse, em referência à gerente – É muito triste não ter ninguém para cantar parabéns com você.
Valmir revirou os olhos, fez uma careta, mas saiu correndo pela porta dos fundos da cozinha. Alguns minutos depois, voltou com um bolo de chocolate pequeno, mas charmoso.
– Foi o que deu pra comprar.
A gerente, irritada, entrou de volta.
– O cliente está esperand… O que vocês vão fazer com esse bolo?
Valmir e Brenda não responderam e saíram em direção ao salão com o bolo nas mãos. Pelo vidro da porta, a gerente viu eles acenderem uma vela e, animados, baterem palmas para um homem triste no canto do restaurante.