Uma garotinha esperava do lado de fora do consultório quando um corpo magro e trêmulo sentou à sua frente. Com o tronco curvado e as mãos entre os joelhos, o homem se acomodou meio desconfortavelmente no banco e balbuciou algumas palavras para si mesmo.
A menina reparou no pé enfaixado e nos dedos cujas pontas não estavam mais lá e que pela cicatriz já haviam sido cortados fora há muito tempo. Curiosa, perguntou quem o acompanhava e como resposta ouviu um “Ninguém não” meio tímido. Imaginou ele voltando para casa guiando seu esqueleto cambaleante e um pé pela metade.
Há algumas semanas, em outra sala do mesmo hospital, ela testemunhou um burburinho entre as enfermeiras enquanto uma delas desenrolava um saco cinza de dentro do armário. Minutos depois ele guardaria um corpo inerte como um casulo de função invertida. Uma voz baixa disse: “Ela estava sozinha”.
O homem de um pé e meio também, e muitos outros que ela viu, e alguns que ela não viu, chegariam e voltariam sozinhos de um hospital. Alguns não para casa.