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Contos

[ Conto ] Depois do horizonte não dói

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Quando a moeda caiu no mar estavam os dois dentro de uma canoa virada para o horizonte. Ele ainda tentou apanhá-la de volta, mas muito rapidamente o metal rodopiou entre as pequenas ondas e afundou.
“Era a última”.
“Tudo bem”.
“Compro outra para você na volta”.
“Não importa, é só uma moeda”.
“Uma moeda personalizada”, ele tentou parecer animado. “Deveríamos ter guardado todas na mochila. Foram caindo uma por uma, que coisa”.
“Precisamos voltar, vai anoitecer muito em breve”.
“Temos tempo”.
Ele fixou o olhar nela, mas ela se manteve olhando para longe. O balanço calmo das ondas fazia os dois subirem e descerem lentamente, quase flutuando.
“Olhe para mim”.
“Eu consigo olhar para o sol e não chorar, não posso dizer o mesmo se olhar para você “.
“Estou com a consciência pesada”.
“Tente não ficar ou afundaremos antes de voltar à praia”.
Ele deixou escapar uma risada e enfim recebeu dela a atenção que queria.
“Não é certo estarmos aqui”, ela disse.
“Achei que você merecia um final feliz”.
“É um final feliz?”.
“É um final bonito e eu não tenho muito a oferecer além disso. Sei que acha injusto…”
“Eu não acho nada injusto” – interrompeu – “Por que coisas boas haveriam de acontecer comigo? Olhe para lá” – ela apontou para a praia de onde partiram – “De todas aquelas pessoas, por que eu seria a escolhida?”
“Porque você é uma pessoa boa e merece”.
“Essa é a pior coisa que pode dizer a alguém, que ela merece alguma coisa. Você destrói a vida de qualquer um ao fazê-lo acreditar que sua recompensa irá chegar”.
“Não seja tão cruel consigo mesma”.
Dessa vez, ela deixou os olhos fixos nele até uma gota sair rolando pelo seu rosto. Depois outra, outra, e outra. Como se o mar a tivesse preenchido e transbordado.
“Eu precisava dizer a você que passamos dias incríveis”.
“E de que eles me valem agora?”
“Se eu puder pedir algo, por favor, não me odeie”.
“Seria mais fácil se tivesse me dado motivos para isso. Eu não tenho imaginação para criá-los e essa é a pior parte, não ter um motivo sequer para jogá-lo dessa canoa e vê-lo agonizar pedindo ajuda”.
“Você pode riscar o meu carro, se quiser”.
“Não há motivos”.
“Pode clonar o meu cartão de crédito”.
“Não tem por quê”.
“Pode falar mal de mim para todos os seus amigos”.
Ela levou as mãos ao rosto e começou a chorar de maneira desconsolada. Ele afagou o ombro dela e ela estremeceu.
“Desculpe”.
Ela não respondeu.
“O quer que eu faça?”
“Reme! O mais rápido que puder. Não pare de remar até não doer mais”.

Escritora, jornalista e leitora assídua desde que se conhece por gente. Escreve por achar que a vida na ficção é pra lá de interessante.

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Sabryna Rosa