Se eu pudesse viver na narrativa do filme Questão de Tempo, eu usaria o poder de viajar para usufruir um pouco mais da companhia dos meus avós.
Tenho pouquíssimas lembranças da minha avó materna, que faleceu quando eu tinha 12 anos de idade, a fase em que você prefere se conectar com uma música no fone de ouvido do que com um parente. Ela era uma senhorinha muito simpática, de cabelos curtos brancos e cheios de ondas, bem macios. Magra, vestia conjuntos de roupa de tecidos estampados e largos no corpo, mas não me lembro muito bem o que ela calçava para ir à missa, por exemplo. Aliás, São Francisco era seu onomástico e seu santo de devoção. Até hoje aquela oração faz eu me lembrar dela.
O meu avô, seu marido, morreu cerca de quatro anos depois e eu não saberia dizer que tipo de relação eles tiveram, apenas posso afirmar que não era um casamento de novela, era um casamento de vida real, daqueles que uma moça adolescente se casa com um homem com o dobro da idade e tem onze filhos, tendo perdido três deles pelo caminho.
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Meu avô era um sujeito muito bem-humorado, famoso pelos causos que contava – e pelo jeito com que contava, que é o tempero do humor – e pelos bordões ditos entre uma cusparada e outra no chão. O meu outro avô eu não conheci. Nada, nem a mais rasa ideia de como ele era fisicamente porque meu pai ficou órfão aos doze anos, no interior do Maranhão, onde certamente não havia uma câmera fotográfica acessível. Na minha imaginação, ele era um homem negro de mãos endurecidas pelo trabalho na terra. Também não ouvi histórias sobre ele, o que me leva a lamentar o meu distanciamento da minha família paterna, onde eu tenho tios e primos a perder de vista, e onde eu pude passar mais tempo chamando alguém de avó.
Meu pai saiu um dia de casa para se despedir dela, que já definhava em uma cama esperando pelo barqueiro, e às vezes me pego pensando no que ele disse, ou no que ouviu, naquele momento. O momento em que você sabe que sua mãe, sua única mãe, irá partir. Na semana seguinte, ele recebeu uma ligação enquanto assistia ao jornal da tarde, desligou a TV, sentou-se no sofá e ficou olhando para o nada durante alguns minutos. Ali, findava o laço de todos os filhos dele com o último dos avós.
Se eu pudesse voltar, teria passado mais tempo tomando café com a minha avó materna, ouviria mais histórias do meu avô materno, olharia para o meu avô paterno pela primeira vez e passaria mais tempo com a minha avó paterna, para saber coisas que nunca soube. No rio sobre o qual nossa vida passa, os avós estão lá atrás vendo cada filho e cada neto afluir para um lugar distante, assim como seremos nós a testemunhar um dia essa mesma água correr.
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