Bastidores

Como você faz qualquer coisa é como você faz tudo

Para mim, um dos serviços domésticos mais chatos de executar é a limpeza do fogão. Não é um trabalho para se fazer de qualquer jeito. Se você quer que fique bem limpo, é preciso passar a esponja nos cantinhos, nas curvas das grades, e em todos os lugares onde porventura a gordura tenha respigado. Ninguém nunca está animado para limpar um fogão, é sempre “caramba, ainda falta o fogão”, e às vezes o que sai é uma limpeza meia-boca.

Mas você faz desse jeito mesmo porque precisa se arrumar para sair para o trabalho. Coloca uma roupa, um sapato, prende o cabelo em um rabo de cavalo e pega a bolsa de maquiagens. Poderia passar um corretivo, uma base, um pó compacto, um blush, uma sombra e um batom. Você não está atrasada, dá tempo de sair bonita, mas o batom e o pó estão de bom tamanho. No trabalho, seu relatório poderia ser revisado mais uma vez, mas você crê que está tudo certo, é só copiar e colar o modelo da semana passada e alterar as atualizações, pra quê fazer melhor?

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No fim de semana, você tem aula da pós. O professor pediu uma análise detalhada daquela peça publicitária, mas você não detalhou tanto assim. Pediu uma ajudinha para o ChatGPT e mudou uma coisa ou outra. Sua mãe pediu que você fizesse um arroz com mariscos para o almoço de domingo, mas limpar os camarões dá trabalho demais. Você levou um simples arroz com cenoura.

Como você faz qualquer coisa é como você faz tudo. Não lembro quem disse essa frase, ou onde li, perdoe-me por não atribuir os créditos. Deixo como recompensa o impacto que ela me causou ao me fazer prestar mais atenção em como executo das pequenas às grandes tarefas, e ao perceber que se dou meu pior aqui, dou meu pior acolá. Se deixo gordura nas louças por preguiça de esfregar um pouco mais, deixo um erro de trabalho passar por preguiça de revisar. Se não tenho zelo com minha própria aparência, também não tenho zelo por aquilo que é patrimônio do outro. Se pouco me esforço para ser gentil com o próximo, não me custará muito ser grosseiro com estranhos.

É certo que não dá para ser excelente em tudo, o ser humano veio desequilibrado em virtudes, defeitos, habilidades e inaptidões, mas veio com muita consciência para saber quando poderia ser mais e não é. A mediocridade é uma erva daninha que vai crescendo conforme você aduba, e é muito fácil adubar o ruim, o malfeito ou o não feito.

A perfeição é uma paisagem distante, às vezes se alcança, às vezes ela fica apenas no horizonte, mas nem por isso nos acostumaremos com o ambiente sujo e desorganizado onde pisamos agora. Na próxima vez que limpar um fogão, pergunte-se o quê uma simples esponja com sabão diz sobre você.

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Escritora, jornalista e leitora assídua desde que se conhece por gente. Escreve por achar que a vida na ficção é pra lá de interessante.

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Sabryna Rosa