Houve uma época da minha vida em que eu tinha sonhos inusitados. A primeira vez aconteceu naquele verão em que viajamos para o litoral. Eu morava a trezentos quilômetros da cidade dos meus pais e, sempre que podia, visitava-os nos feriados. Era carnaval, e escolhemos uma pousada simpática, longe dos blocos de rua e perto do barulho das ondas.
Sentados na areia, eu conversava com meu pai quando minha mãe voltou de algum lugar com cinco pequenas e bonitas conchas nas mãos, animada e se achando sortuda por ter encontrado não conchas quaisquer, mas conchas peroladas, com listras marrons e uma ou outra de um laranja brilhante. Eram realmente lindas, mas, para mim, ainda eram apenas conchas.
Naquela noite, dormi perto da janela, embalada pelo som do mar, e me vi dentro de uma Kombi velha que sacolejava enquanto descia pela estrada. Dentro do carro havia várias crianças, algumas mais crescidas, outras menores, e eu podia ouvir ainda um bebê de colo chorando atrás de mim. Ouvi uma voz sobre o meu ombro repreendendo uma das crianças por estar em pé entre os bancos da Kombi. Todos pareciam pobres, com roupas gastas, mas estavam muito limpos, apesar da poeira que entrava pela janela. Vi uma garotinha do lado esquerdo, observando a paisagem, e me virei para conferir o que ela estava olhando com tanta atenção. O mar se estendia pelo horizonte, calmo como uma tarde de primavera.
— Mãe, podemos descer na praia? — perguntou a garotinha com uma voz suave, recebendo uma resposta negativa.
— E fazer o quê lá? É só água.
Eu reconhecia aquele jeito rude de falar, impaciente, quase sempre pronto para intimidar — não era a vovó amorosa das histórias infantis. Entendi, então, que minha mãe nunca antes tivera a oportunidade de procurar conchas bonitas na praia.
O segundo sonho aconteceu anos depois, quando eu já nem me lembrava mais do primeiro, às vésperas do casamento do meu irmão. Na correria dos preparativos, ainda faltava alugar o terno do meu pai, e o velho resmungava aqui e ali que ia passar o dia inteiro vestido como um pinguim debaixo do sol do Nordeste. Lá fomos nós, de loja em loja, à procura da roupa perfeita. Ele ficou muito bem e, enquanto a funcionária marcava os ajustes, ele se olhava no espelho e enchia o peito, repetindo:
— Ó, como tô bonito, não tô? — esquecendo as queixas que fizera mais cedo.
Então sonhei que via meu pai na juventude com duas crianças — eu e meu irmão — entrando em uma loja pequena de bairro e dizendo:
— Escolhe umas coisas bonitas aí pros meninos irem naquele aniversário.
Minha mãe saía de lá com uma sacola azul e outra rosa. Só no fim do ano, no Natal, compraríamos outra roupa nova, enquanto meu pai usaria a mesma camisa verde dos anos anteriores, remendada embaixo do braço e quase descosturando no outro.
O último sonho eu já esperava. De alguma forma, sabia que aconteceria quando recebi aquela foto dos dois prestes a embarcar. Minha mãe, com o semblante nervoso; meu pai, animado porque ia entrar pela primeira vez no “bichão”.
Antes que pudesse me dar conta de estar acordada ou não, contemplava de longe um jovem casal sentado à beira de um rio de águas frescas. Havia uma caixa térmica, uma toalha marrom estendida, uma garrafa de suco, biscoitos, pães e um bolo simples — provavelmente o bolo de fubá que minha mãe faz até hoje e que meu pai adora. Uma lua de mel singela e apaixonada, uma vida inteira de primeiras vezes que nem sempre os outros saberão que foram inéditas, mas que, para eles dois, eram especiais.
Nunca mais sonhei com aquelas coisas, provavelmente porque já havia entendido o recado. Meus pais já tinham muito o que contar, mas ainda tinham muito o que viver. Agora, eu conseguia enxergar.
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