Aos dez anos de idade, em certa ocasião, levei um “puxão de orelha” da diretora da escola na frente da turma inteira. Ela era uma mulher alta, negra, de cabelos crespos curtos e com fama de durona. Aliás, era por causa dela que os pais escolhiam aquela escola, por manter os alunos na linha. Mas naquele episódio eu não havia feito nada (nem em qualquer outro, pois sempre adotei o estilo boazinha) e fui punida com uma humilhação em público.
A vergonha diante dos colegas se misturou com a indignação do castigo injusto e eu vivi a minha primeira experiência com o rancor. Eu não acredito que os signos possam definir a personalidade de um indivíduo, mas já ouvi dizer que essa é uma característica dos escorpianos: regar os sentimentos ruins e deixar a vingança desabrochar como uma rosa negra. É claro que eu não me vinguei — não era uma cena de Chiquititas —, mas nunca deixei de olhar para aquela mulher com um certo amargor na boca. Muitos anos depois, esbarramo-nos em uma festa junina, e ela estendeu um sorriso largo ao me cumprimentar — ainda se lembrava de mim, e eu, naturalmente, também não havia me esquecido dela.
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Foi um episódio bobo, mas me leva a refletir como é fundamental não esconder de si mesmo a própria podridão. Não fechar a porta daquele cômodo fétido que existe dentro de nós e que fingimos que não existe para não macular a nossa boa imagem. Atrás de uma das minhas portas trancadas está isso, o apego pelo rancor. Em tantos outros episódios vivi essa maldade no coração — porque eu sei que é um sentimento mau, eu sei que não me deixa mais perto do céu — e não me lembro se já pedi pelo conserto desta parte de mim. Às vezes, é urgente que isso esteja em nossas orações, que nossa parte cínica seja curada e reconheçamos que precisamos parar de nos enganar. Acredito que aí comece o caminho do arrependimento e do perdão.
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