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Para Leitores

Resenha de Frankenstein: análise do clássico de Mary Shelley

Sinopse

Victor Frankenstein, protagonista do clássico Frankenstein, de Mary Shelley, é um estudante de Ciências Naturais que ambiciona ultrapassar as descobertas científicas ao infundir vida em um corpo inanimado. Essa obra, também conhecida como Frankenstein ou o Prometeu Moderno, explora as consequências do orgulho e da busca pelo conhecimento sem limites.


Resenha

Por que Prometeu?

O título que Mary Shelley deu ao livro é Frankenstein ou o Prometeu Moderno. Prometeu é uma figura mitológica que teria roubado o fogo do Olimpo para dar à humanidade, sendo punido por desobedecer às ordens de Zeus de privar os homens desse elemento. Em outra versão do mito, Prometeu criou um homem de barro e de partes de animais, dando-lhe vida com o fogo que roubou.

“Ela [Mary Shelley] usa esse mito como analogia para expressar uma verdade fundamental sobre as perigosas consequências da busca e da aquisição do conhecimento. Assim, Frankenstein torna-se uma fábula moderna para os riscos do orgulho intelectual desmedido”. (Márcia Xavier de Brito)

Logo no título, temos a pista de que o protagonista do livro é Frankenstein, do qual o monstro é um desdobramento moral e psíquico. Victor desafia uma ordem maior (como Prometeu) e se deixa conduzir por valores desordenados, como a vaidade, a ambição desmedida e o egocentrismo. Ele não enxerga na morte um fim digno, mas uma circunstância capaz de ser domada.

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“Vida e morte pareciam para mim fronteiras ideais que deveria, primeiramente, transpor, despejando uma torrente de luz em nosso mundo sombrio”.

Contudo, o desejo de Frankenstein de dominar a morte não advém de um estímulo saudável e celestial, mas luciferino, que busca a glória para si mesmo.

“Uma nova espécie abençoar-me-ia como criador e origem; muitas personalidades felizes e excelentes deveriam a mim a própria existência”.


O contexto romântico

A obra foi escrita sob o contexto do Romantismo, uma corrente que, entre outras características, exaltava a Natureza. Em Frankenstein, a natureza interfere nos sentimentos dos personagens e emoldura as cenas, fazendo parte da narrativa como um elemento simbólico.

O Romantismo também discutia questões sociais e, na época em que a obra foi escrita, falava-se sobre os perigos da ciência. O galvanismo estava em alta, um estudo desenvolvido no fim do século XVIII por Luigi Galvani que investigava os efeitos da eletricidade sobre os tecidos vivos.

Quando a criatura toma vida (sugere-se que o cientista aplicou os conhecimentos galvânicos), Victor Frankenstein se assusta com a monstruosidade de sua invenção e foge. A fuga não é apenas do monstro, mas da responsabilidade que o cientista deveria assumir por suas ações.


A Criatura: Solidão e Isolamento

A criatura vaga por alguns anos até encontrar seu criador e narrar os episódios que marcaram sua breve vida, todos permeados pelo desprezo humano. A criatura sobrevive à margem da sociedade e, sempre que tentou se aproximar, foi rechaçada e tratada como escória. A solidão e o isolamento tornaram-se terreno fértil para que sentimentos como ódio, rancor e vingança germinassem.

Sem sequer um nome ou lugar a que pertencer, a criatura é um sujeito cru. Como observa Harold Bloom:

“A criatura de Frankenstein não pode ajudar-se, nem aos outros, pois não tem uma base natural à qual possa retornar. Os poetas românticos gostavam de retornar à imagem do oceano da vida e da imortalidade, pois no redemoinho das águas purificantes podiam pintar um esperançoso processo de recuperação, de uma sobrevivência de consciência, a despeito de todas as suas agonias”.

Quando o monstro toma consciência do mundo, encanta-se com a “mágica” natural dos acontecimentos: a lua no céu, as estações, as relações familiares, a comunicação e a literatura. Tudo é visto pela primeira vez com o deslumbre de um bebê. Contudo, da mesma forma que ele sente o belo, sente também o feio, como a raiva, o repúdio e o desprezo, que impactam de forma nociva sua personalidade.

No confronto com Frankenstein, a criatura clama por um ambiente que o estimule à bondade:

“Em todo lugar vejo a felicidade que somente a mim é irrevogavelmente negada. Fui benevolente e bom; a infelicidade transformou-me em um demônio. Faça-me feliz e serei virtuoso novamente”.

Tendo seu desejo negado, o monstro promete vingança, levando Victor Frankenstein a uma solidão e sofrimento semelhantes aos que ele vive. Começa, então, um embate que termina em tragédia para ambos.


Criador e Criatura: Dualidade do Mesmo Ser

O criador e a criatura simbolizam a dualidade de um mesmo ser: ambos partilham das mesmas más inclinações. As emoções de Victor são voltadas para o interior, enquanto as da criatura são expressas no exterior.

Alguns críticos sugerem que o erro de Frankenstein foi sobretudo moral: ele não foi capaz de amar sua criação, desencadeando todo o resto. Victor, que quis tanto se assemelhar a um deus, pecou justamente naquilo em que o Deus verdadeiro é perfeito: o amor por suas criaturas, mesmo sendo estas más.

Santo Agostinho discursa sobre o belo, associando-o à ordem, proporção e harmonia, atributos que a criatura de Frankenstein não possui. Em uma cena, o monstro confronta seu criador, dizendo que foi criado mais forte, mais alto e com articulações mais flexíveis, sugerindo que sua aparência reflete mais a natureza vaidosa e pecaminosa de Victor do que um desejo virtuoso de contribuir com a ciência.

O que leva a uma outra concepção de S. Agostinho sobre a beleza, que é a manifestação do bem. Se o monstro não veio da bondade do criador, sua feiúra estética é predominante.

Por fim, fica a questão que ainda gera reflexão:

Fosse a criatura bela, ainda que vingativa e maldosa, seria acolhida pela comunidade? O monstro ainda seria visto como um monstro se esteticamente agradável?

Escritora, jornalista e leitora assídua desde que se conhece por gente. Escreve por achar que a vida na ficção é pra lá de interessante.

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Sabryna Rosa