fbpx
Contos

[Conto] O sol se põe rápido demais

Spread the love

Combinaram de se encontrar às 16h:30, no último posto de gasolina antes da saída da cidade. Ele se arrependeu de ter vestido uma calça jeans branca assim que saiu do carro e os pés levantaram uma poeira fina que imediatamente grudou na barra da calça. Espanou o que deu, mas era inútil.

Acenou com um leve movimento de cabeça para o único frentista, que sentado em uma cadeira branca de plástico aguardava o próximo cliente. Era um dia quente e ele já havia aberto dois botões da camisa do uniforme desde às onze da manhã.

Com as mãos na cintura, andou devagar pra lá e pra cá ao redor da camionete. Chegar cedo talvez não tivesse sido uma boa ideia, mas ficar em casa lhe daria coragem para ir buscá-la, mas não seria uma coragem inteligente. Se, dali onde estava, ele repentinamente decidisse por tal insanidade, a distância o faria desistir no meio do caminho. Eles combinaram de esperar, então ele esperaria.

Até a próxima cidade eram cerca de sessenta quilômetros de estrada mal pavimentada, empoeirada, e com as margens ocupadas por um matagal de onde poderia sair qualquer animal mal vigiado atravessando de um lado para o outro. E eles nunca atravessavam com pressa, era sempre um búfalo preguiçoso ou uma vaca que parava no meio da estrada para contemplar o horizonte.

Certa vez, não houve tempo para desviar e ele avançou pelo acostamento e acabou destruindo a cerca da fazenda de onde o animal nunca deveria ter saído. “Você teve sorte de não ter batido em uma árvore”, ela disse enquanto fazia o curativo no nariz quebrado, “ainda mais sem cinto de segurança”. Parecia brava, como se ele fosse alguém sob sua responsabilidade.

Ele a conheceu na mesma época que todo mundo, quando um novo pediatra foi contratado para o hospital e a esposa enfermeira ocupou uma vaga na emergência. Há dois anos a loja dele cuidava da manutenção dos ares-condicionados dali. “Eu já te vi por aqui, você é o cara que não deixa a gente no calor”, ela sorriu, mas foi quase imperceptível.

Todas as vezes que se encontravam, ela exalava culpa pelo corpo todo, mas logo em seguida soltava o ar e incorporava o comportamento que o momento pedia, como se um controle remoto mudasse de um telejornal para a novela das nove e depois para um filme de suspense. “Eu tenho que ir”, ela sempre dizia com a voz acelerada e pesada.

Um ano se passou até que ele perguntou se ela não gostaria de levar uma vida feliz. “Você deduz que eu não sou feliz sem nem antes me perguntar”, e ele entendeu que tudo aquilo não passava de uma maneira de ela preencher o tempo entre um plantão e outro. Até que um dia ela mesma sugeriu que fossem embora, pois gente doente e ares-condicionados quebrados havia em todo lugar. Ele aceitou e agora estava ali, vendo o tempo passar pela velocidade que o sol baixava no céu.

Já eram mais de cinco horas e ele discou o número dela no celular. Nada aconteceu e a mensagem de texto também não foi respondida. Pensou em mil e um cenários ruins protagonizados por um marido perverso e sentiu um choque descer pelo corpo. Não era mais uma questão de coragem ir até lá, mas de urgência. Entrou rápido no carro e deu ré, quase batendo em um SUV preto que entrava no posto. “Boa tarde, doutor”, ele viu pelo retrovisor o movimento do frentista ficando de pé. “Vão viajar? Ah, um fim de semana na praia é bom demais. Se a gente passa muito tempo aqui, o cheiro de cocô de vaca não sai mais nunca da gente”. O vidro era escuro, mas todo mundo sabia de quem era aquele SUV preto.

De tanque cheio, o carro buzinou e ele abriu passagem, voltando para o lugar de onde saíra às pressas para ir buscá-la. Ainda deu tempo de ver um punhado de cabelo escapar pela janela antes do vidro subir completamente. Um cabelo cuja cor nunca estava desbotada.

Em trinta segundos o SUV já tinha sumido pela estrada e ele seguiu logo atrás. Não sabia que rumo eles tomariam e nem queria saber. Já tinha decidido o seu e não fazia mais sentido voltar atrás, não com tantos ares-condicionados para consertar por todo canto. Ele ficaria bem. Pisou fundo no acelerador na primeira curva bem na hora que o búfalo decidiu atravessar preguiçosamente. Não deu tempo de novo. Desta vez, foi lançado para fora e um último resquício de sol se misturou ao sangue escuro e à poeira do capô. Já eram seis da tarde e em pouquíssimo tempo seria oficialmente noite. Para ele, já havia escurecido completamente. O sol sempre se põe rápido demais.

Escritora, jornalista e leitora assídua desde que se conhece por gente. Escreve por achar que a vida na ficção é pra lá de interessante.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Sabryna Rosa