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Bastidores

#16 Trinta anos e uma biografia

Biografia é um gênero literário que nunca me atraiu. Certo dia, por pura curiosidade, comecei a ler a biografia do Assis Chateaubriand, o magnata brasileiro das comunicações, um personagem do qual eu tinha ouvido falar por alto e por quem não nutria nenhum tipo de interesse. Continuo não nutrindo, mas me vi fascinada pelo texto de uma biografia. Os fatos narrados, a pesquisa do biógrafo, a história do Chateaubriand sendo costurada à história do Brasil, foi um tipo de leitura nova e surpreendente. O mesmo se deu quando li sobre C. S. Lewis e sobre Max Perkins, um dos maiores nomes do mercado editorial americano. Em algumas centenas de páginas conheci boa parte da história de pessoas que eu não cheguei nem perto de ver ou conviver. 

Onde eu iria, então, se quisesse conhecer a minha própria história? O que eu faria, o que eu leria, se tivesse a curiosidade de me conhecer mais? Teria que contratar um biógrafo para me descrever, me investigar, para então ler sobre mim mesma?

Por exemplo, hoje eu sei que C. S. Lewis, em seu processo de conversão ao cristianismo, sofreu bastante influência de Tolkien, um grande amigo católico. Alguém me influenciou na minha conversão? Quem?

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Eu nunca pensei que guardaria a informação de que Max Perkins adorava presentear os amigos com um exemplar de Guerra e Paz. De quais informações sobre mim mesma eu me esqueci?

Quando se trata da nossa própria biografia, muitos fatos, curiosidades e informações passam despercebidas, como se não fossem importantes, mas que talvez merecessem um parágrafo, ou uma página inteira, na obra de algum biógrafo, se famosos fôssemos. Quero dizer, acho que um jornalista deveria mencionar que eu tenho o hábito de separar o tomate da pizza e que eu prefiro ketchup apimentado a ketchup comum.

Não gosto de sorvete de morango, prefiro fazer exercícios de manhã e costumo dormir cedo. Demorei um bom tempo para me acostumar a tomar café puro e detesto goiabada. Amo doce de leite e não tenho inclinações para cuidar de bichinhos de estimação. Todos esses itens são interessantes para constar em uma biografia, não são?

O meu biógrafo poderia contar mais sobre minha própria infância. Ele pode conversar com os vizinhos da minha rua e com a minha professora do jardim – ela ainda me cumprimenta na rua! Uma amiga da minha cidade natal pode contar como fizemos amizade na primeira semana de aula.

Pode narrar como foi a experiência de morar com uma família de tios e primos e como mudar do interior para a capital foi um grande evento na minha vida. Pode mencionar quais lugares eu mais gostei de visitar e para qual time eu torço. Pode criticar também as minhas contradições ou como eu já fui hipócrita algumas vezes. Não é só de glórias que uma biografia é feita.

No mais, é só uma vida comum. Não fundei uma rede de comunicação, não fui uma intelectual e nem tive uma grande carreira profissional, mas se ele quiser escrever sobre uma pessoa comum, aqui estou eu.

Escritora, jornalista e leitora assídua desde que se conhece por gente. Escreve por achar que a vida na ficção é pra lá de interessante.

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Sabryna Rosa