Sinopse
Alonso Quixano, inspirado pelos romances de cavalaria, decide sair pelo mundo em busca de aventuras. Sob a alcunha de Dom Quixote, e ao lado de seu fiel escudeiro Sancho Pança, ele desfaz injustiças, salva donzelas e combate o mal.
Resenha
Antes de ler Dom Quixote, eu havia ouvido muitos comentários sobre ser um livro arrastado, chato, difícil de concluir – e, por isso, com frequência abandonado; e devo dizer que eu mesma passei pela tentação de deixar a leitura, não fosse a minha regra pessoal de nunca abandonar livros. Porque sim, eu também achei arrastado, chato e penoso de concluir.
Isso parte, contudo, da ausência de uma inclinação pessoal ao tipo da obra. Não sou a leitora mais empolgada com livros de aventuras. Acho enfadonhas as narrativas com dragões, piratas, super-herois, e todos esses elementos que costumam fisgar os apaixonados pelo gênero. Meu habitat literário é outro.
Mas como nem só de conforto se vive – e segue firme a minha pretensão de ler o maior número de clássicos que conseguir -, eu embarquei nessa jornada de mais de mil páginas e cheguei ao fim dela carregando uma certa simpatia por Dom Quixote. É o tipo de personagem que vale a pena conhecer.
“Olha, Sancho, um homem não é mais que outro se não faz mais que outro. Todas essas tempestades que nos acontecem são sinais de que logo o tempo vai acalmar e vão nos acontecer coisas boas, porque não é possível que o mal ou o bem durem sempre, do que se conclui que, havendo o mal durado muito, o bem já está perto.” Cervantes, Miguel de. Dom Quixote (Portuguese Edition) (p. 186). Penguin-Companhia. Edição do Kindle.
O cavaleiro, munido de uma armadura simples, mas honesta, e de um cavalo humilde, porém leal, é uma figura desestruturada mentalmente. Um homem que se deixou inundar pela fantasia dos livros e acreditou que a realidade fosse igual. Nos muitos livros que leu, os cavaleiros são verdadeiros herois, o mal é abatido, a coragem é valorizada, o reconhecimento é garantido, e o amor, ah, o amor pela donzela prometida, é celebrado. Uma vida de glória esperava por Alonso Quixano assim que ele saísse pela porta de casa com outra identidade – era o que ele acreditava.
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O livro discute a saúde mental do personagem não sob o viés patológico, mas a partir da fragilidade do ser humano diante do poder da mente. Como se proteger das artimanhas dos seus próprios sentimentos? Como se convencer de que o moinho é mesmo um moinho e não um dragão? Você quer acreditar que é um dragão porque a vida que você quer viver depende disso. É muito mais difícil lutar contra a imaginação quando a realidade não interessa.
Dom Quixote vai se embrenhando nas suas fantasias enquanto Sancho Pança tenta trazê-lo de volta; às vezes dando corda, às vezes puxando, nunca o deixando só, entretanto, nem mesmo quando suas expectativas de ganhar algo com aquelas andanças estavam em risco. Sancho assume o papel animalesco dessa dupla, é o lado que está preocupado em comer, dormir e quem sabe ganhar algum dinheiro. Ele não está interessado em nenhum aplauso no fim do caminho, e sim em saber o que tem para comer no jantar.
“A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que os céus deram aos homens; não podem se comparar com ela os tesouros que a terra abriga nem o mar esconde; pela liberdade, assim como pela honra, se pode e se deve arriscar a vida.” Cervantes, Miguel de. Dom Quixote (Portuguese Edition) (p. 1022). Penguin-Companhia. Edição do Kindle.
Contudo, embora nosso cavaleiro não esteja no pleno uso de suas faculdades mentais, sua sapiência ainda se sobressai. Dom Quixote observa as situações sob um olhar aguçado que permite ver além do que está evidente. Ele entende as motivações humanas melhor do que todos os outros personagens. Sua inteligência é sustentada em literatura, filosofia, fé, caridade, e muitas outras virtudes que moldam seu caráter.
E por falar em caridade, essa é a característica que mais me causa admiração em Dom Quixote. Sua sempre presente benevolência com relação ao próximo. Todos os seus atos de coragem – até mesmo os que terminaram mal – são voltados para tentar ajustar um mundo desajustado. Para corrigir injustiça, combater o mal e desfazer trapaças.
Assim, não obstante minha pouca afeição aos livros de aventura – e de cavalaria, por consequência -, acho que Dom Quixote é uma figura para quem todos os leitores devem ser apresentados. Eu não recomendaria passar por esta vida sem ler esse livro pelo menos uma vez.
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