No início do mês de julho, o mundo do futebol foi surpreendido pela morte do jogador Diogo Jota, e do seu irmão, o também jogador André Silva, em um acidente de carro na Espanha. A notícia chocou todos os que acompanham não só o futebol, mas amantes de esportes por todo o mundo, pela violência da tragédia e pelo contexto em que ela aconteceu.
Diogo, de 28 anos, havia acabado de se casar com a companheira de sua vida, Rute Cardoso, com quem tinha três filhos pequenos; havia sido campeão da Premier League, a competição mais popular do planeta, com o Liverpool; e também venceu a Nations League, com a seleção de Portugal. Tudo em um período de cerca de quarenta dias. Então, em uma viagem de carro, tudo escureceu.
Ressaltar, em um texto como este, diante de uma situação como essa, que ninguém sabe o dia de amanhã é tão inédito quanto comer uma surpresa de uva e encontrar uma uva dentro, e eu não quero tomar o seu tempo com mais esse clichê – por mais verdadeiro que seja.
Nós sabemos da imprevisibilidade do amanhã, do quanto o ponteiro marcar 19:34 daqui a dez minutos é apenas uma suposição. Eu suponho que estarei aqui ainda quando for sete e trinta e quatro da noite, eu suponho que dormirei a noite inteira e acordarei amanhã para ir até a academia; eu suponho que chegarei lá. Pra ser honesta, eu não sei, ninguém sabe.
Então vem a outra frase clichê, aquela que moçoilas tatuam na parte de dentro do antebraço, que as malharias do seu bairro estampam em camisetas, e que nós usávamos como bio do Orkut: Carpe Diem. Aproveite o momento, viva o agora, valorize o presente, ou, parafraseando Santa Terezinha de Jesus, que era muito mais sábia do que nós, “Meu Deus, pra te amar só tenho hoje”. Todos estão novamente certo, da moçoila na mesa do tatuador à Santa Terezinha no céu: só temos isto aqui mesmo para fazer qualquer coisa.
Mas ninguém nunca me disse exatamente como fazer, como aproveitar, como viver, como valorizar, e eu não sei se estou fazendo direito. O tempo passa, não dá mais para voltar atrás e fazer de novo. Já são 19:34, e agora? O Diogo Jota já entrou no carro, já fez aquela ultrapassagem, já pisou mais fundo do que devia no acelerador, já viu um mar de flores que não eram as do seu casamento. Como ele ia saber, meu Deus? Como a gente sabe?
Eu também não tenho essa resposta porque é difícil se lembrar do carpe diem quando você precisa descongelar o almoço de amanhã, pegar aquele documento na casa dos seus pais, pagar aquela conta atrasada, pensar em um jeito de ganhar mais dinheiro, passar no supermercado e não esquecer a cartela de ovos, limpar os armários da cozinha, separar as roupas sujas coloridas das brancas, e todas esses afazeres que roubam o lugar da contemplação, da lembrança de que o dia acaba e a vida acaba.
Mas como isso também é viver, talvez aproveitar o agora seja encontrar pequenas brechas do extraordinário no meio do ordinário. Prestar atenção em um grilo cantando, em como a mão de um bebê se esforça pra pegar a mamadeira, na luz que bate na janela no vidro formando um arco-íris, na aliança que brilha na mão do guarda de trânsito, na risada da vizinha de cima, no cheiro de bife com cebolas, na sensação boa que é tirar os sapatos quando chega em casa, na textura da esponja da pia. Tudo isso conta uma história, por mais boba que seja, por mais clichê que seja.
Tenho certeza que o Diogo e o André viram algo bonito naquela estrada, tomara que tenham prestado atenção.
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