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O pacote chegou em uma sexta-feira. Quando ele entrou em casa, lá estava uma caixa pequena, do tamanho de um celular, em cima do aparador.

– O que é? – ela perguntou.

– Um brinquedo novo.

– Outro jogo? – ela deixou transparecer uma ligeira irritação.

– Mais ou menos – e ele estava ansioso demais para se importar com a reação dela.

Edgar sentou-se no sofá enquanto abria o volume. Dentro havia um par de fones de ouvido e uma pulseira digital, ambos na cor branca. Ele leu ligeiramente as instruções, pôs a pulseira no pulso, os fones no ouvido, e ouviu uma voz suave e feminina:

Seja bem-vindo ao Salt.

A mulher fez uma pausa enquanto algo no sistema iniciava.

Escolha um lugar confortável e selecione uma data no seu relógio.

Edgar ainda não havia decidido qual seria a sua primeira visita, queria que fosse algo especial, marcante, e tentou se lembrar de algo bom. 

13 de abril de 2003

Ele deslizou os dedos sobre a tela digital da pulseira e a voz da mulher soou novamente, agora mais animada, como se fosse uma guia turística conduzindo-o a um museu.

Você será levado ao dia 13 de abril de 2003 e toda a sua vida nesta data passará diante dos seus olhos. Você verá as mesmas cenas, sentirá os mesmos cheiros, ouvirá os mesmos sons e dirá as mesmas palavras. Nada pode ser mudado, apenas contemplado. Para avançar, movimente a palma da mão para a direita, para retroceder, movimente a palma da mão para esquerda. Você pode fazer isso quantas vezes quiser. Para sair, abra e feche a mão duas vezes. Para ouvir as instruções novamente, clique no botão laranja, se você entendeu tudo, clique no botão verde.

Edgar clicou no botão verde e se ajeitou no sofá. Ouviu um som novo, uma espécie de onda tranquilizante e logo tudo ficou escuro, clareando lentamente em seguida, como se ele estivesse acordando de um sono profundo.

Estava de volta na casa dos pais. Reconheceu o antigo quarto, com suas paredes azuis e pôsteres, seu velho computador de mesa e camisas de bandas penduradas na poltrona. Era o dia da sua entrevista de emprego e ele mal havia dormido de tanta expectativa. Ficou de pé, entrou no banho e logo se lembrou de que nada de extraordinário aconteceu até ele sair de casa. Assim, avançou as cenas até estar em frente ao prédio por onde passou tantas vezes, ansiando pelo dia em que entraria lá como funcionário, e, um dia, quem sabe, como ocupante de um cargo importante.

Avançou mais uma vez até o momento em que a chefe do Recursos Humanos lhe parabenizou pela conquista da vaga e apertou sua mão com confiança. Ele podia sentir com absoluta fidelidade o mesmo furor no peito, a mesma alegria, a mesma sensação de vitória. Como fazia tempo que não sentia aquilo, como era bom se sentir capaz outra vez. Revivendo aquele momento em todos os detalhes, retrocedeu a lembrança e reviu tudo de novo. E de novo, e de novo. Até sentir uma mão pesada sacudindo seu ombro.

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– As crianças estão prontas, estou gritando há horas – a voz estridente dela invadiu os ouvidos de Edgar assim que ele tirou os fones. Ele havia esquecido que prometeu levar os filhos para a casa da avó e ir ao cinema com a esposa. Arrependido do compromisso, chamou-a no canto da sala e cochichou:

– Será mesmo que temos dinheiro para ir ao cinema?

Ela o fitou com o semblante sério e frustrado, e só então ele se deu conta de que ela já estava arrumada, com um vestido cor de vinho e sapatos altos.

– Edgar, tome um banho e vá se arrumar. Deixaremos as crianças com a minha mãe e vamos ao cinema.

– Claro. 

No cinema, Edgar não conseguiu dar atenção ao filme, ocupado em selecionar mentalmente quais datas visitaria ao chegar em casa e resgatando na memória os momentos de excitação que valiam a pena ser vividos novamente.

Já de volta, esperou a esposa dormir e voltou para o sofá. Descobriu que no Salt também era possível fazer uma pesquisa digitando o nome de alguém na tela da pulseira. 

Mariana.

A primeira década de Edgar no emprego dos sonhos foi fascinante. Sucessivas promoções, prestígio, admiração dos colegas e uma posição de respeito dentro da hierarquia. Naquela época, envolveu-se com uma de suas estagiárias. Uma moça ruiva, de sorriso aberto e um ar universitário e juvenil irresistível. Ele propôs deixar sua esposa, na época noiva, por ela. Ele ofereceu o mundo inteiro e ela aceitou. Um ano de relacionamento às escondidas, em moteis caros, jantares discretos, viagens curtas, e uma vontade insana de jogar tudo para o alto e apresentá-la como sua futura mulher. Foi nisso que ele pensou ao digitar o nome dela. Reviveria cada dia daquele ano, exceto o último, quando procurou sua esposa para uma conversa e ela anunciou que estava grávida antes que ele pudesse dizer qualquer coisa. 

Mariana foi embora, magoada, triste, alimentando um ódio visceral do amante, e ele ficou com a vida que deveria ficar. Mas se o Salt pudesse descobrir onde ela estava agora, no presente, se ele pudesse discar o número dela, ele ligaria mais uma vez, nem que fosse para ouvir sua voz por alguns segundos. De uma forma ou de outra, foi com ela que ele passou aquela e tantas outras noites. Deitado no sofá, digitando as sete letras do nome dela, negando dormir com a esposa enquanto relembrava, com a tecnologia do Salt, os dias com Mariana. Nada pode ser mudado, apenas contemplado.

De contemplação em contemplação, Edgar esqueceu a demissão ocorrida há alguns meses e continuou revisitando os dias em que outrora foi aplaudido. Passava horas de pijama no sofá, com os fones de ouvido e os olhos fechados, a expressão sempre tranquila e feliz. Ali dentro, só coisas boas estavam acontecendo. 

No meio do dia, procurava por Mariana. À noite, dormia com Mariana. Nos domingos e feriados, viajava com Mariana. Era sublime poder sentir o cheiro e o toque dela de novo. Os lábios carnudos, os dedos finos, a voz sensual deslizando pela orelha dele. Totalmente o oposto da voz esganiçada da esposa, com quem passava cada vez menos tempo. Nunca reviveu nenhum momento com ela, não fazia questão. Uma vez, digitou a data de nascimento da sua primeira filha, para quem sabe sentir aquela emoção de pai outra vez, mas se deparou com um dia caótico, onde quase tudo deu errado e decidiu que era melhor voltar para o confortável e belo. Para sua sala no último andar e para Mariana entrando com sua saia justa e reta.

Aos poucos, Edgar se transformou em um amontoado vivo no meio da sala. A esposa foi embora, os filhos também. As contas se amontoaram na caixa de entrada do e-mail, veio a chuva, veio o sol, veio a primavera, veio o verão e tudo que ele fazia era passar o dia conectado ao Salt, vivendo uma vida que não era mais dele, mas que era boa demais para ser deixada para trás.

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Escritora, jornalista e leitora assídua desde que se conhece por gente. Escreve por achar que a vida na ficção é pra lá de interessante.

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Sabryna Rosa