Nós, os nascidos nos anos noventa para trás, crescemos com todo tipo de suporte físico de conteúdo: livros, jornais, revistas, fitas cassetes, DVD’s, CD’s, um objeto para cada tipo de informação. Com a popularização da internet, muitos desses conteúdos migraram para o digital e então passamos a usar um site, plataforma, software, ou aplicativo, para cada conteúdo. Um lugar para ler jornais online, outro para ouvir música, outro para ver filmes. Nesse processo, o texto, digo o texto escrito, as palavras passando na nossa frente, foi ocupando um espaço cada vez menor, e o vídeo, assim como o áudio, ficaram cada vez mais presentes, mais curtos e mais rápidos.
Antes você lia duas ou três laudas para obter uma informação, depois, o que era uma matéria, uma crônica ou uma reportagem escrita, virou um post de blog. Em seguida, virou um tweet e então virou um vídeo de um minuto no Tiktok.
No século passado, você adquiria um curso em CD ou DVD e recebia aulas extensas em vídeos. Esses vídeos foram para o Youtube e no Youtube você pode acelerar e consumir quatro vídeos na metade do tempo. Diga-me que você não assiste a nada sem acelerar e eu quase posso apostar que você está mentindo.
A alegria de um fã de qualquer artista era ver chegar o disco novo nas lojas, economizar um dinheirinho, comprar uma cópia original e então ouvi-lo deitado na cama – mas ouvir de verdade, não enquanto faz qualquer outra coisa. Ouvir cada faixa, voltar para a primeira, repetir aquela favorita. Hoje, fazemos uma playlist no Spotify, pulamos músicas que nós mesmos selecionamos e as que não pulamos ouvimos só até o primeiro refrão e partimos para a próxima.
Na Netflix, você consegue acelerar o filme, mas eu não quero me estender neste exemplo porque é demais para mim saber que há pessoas por aí que veem um filme no modo acelerado.
E com isso não estou negando a minha própria má conduta diante do consumo de conteúdos. Eu também acelero vídeos, pulo faixas no Spotify e prefiro ler um tweet resumindo um assunto a ler uma reportagem de uma revista. E eu amo ler, como você pode observar, mas o digital também me estragou.
Assim, de tela em tela, de aplicativo em aplicativo, a vida também vai passando no modo dois ponto zero. Você começa a achar irritante demais esperar três minutos para ser atendido em uma fila, as legendas com mais de um parágrafo são “textões”, os livros com capítulos longos passaram a ser um problema, e até a nuvem no céu – se parássemos para prestar atenção, porque não paramos – demora demais para se deslocar. Nada mais passa pelo estágio da contemplação, agora tudo que temos é um brilhante e sonoro borrão.
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