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Bastidores

#2 Não é como eu queria, mas é

Eu acredito que o imaginário pode definir quem você será e o que você irá fazer da sua vida. Preferências, planos, ambições, tudo desabrocha mais bonito quando você tem um imaginário preenchido por coisas boas. Aos 20 anos, o meu era da extensão de um clipe e toda a minha vida se resumia em me preocupar com os afazeres da faculdade. Eu olho para esse tempo e vejo apenas um borrão.

Antes disso, eu sabia que não queria levar uma vida adulta no automático. Me arrepiava imaginar uma vida mecânica que se sustentava em ir para o trabalho – um trabalho do qual eu não gostasse muito -, pegar horas de trânsito, voltar para casa, comer uma comida qualquer, dormir e repetir tudo outra vez no dia seguinte. Eu queria propósito, mas eu não sabia sequer definir propósito. Para ser muito honesta, eu nem sabia do que estava falando.

Não tem muito como fugir da tal vida mecânica, você tem que aprender a ver beleza e propósito ali, naquelas tarefas rotineiras, o que não significa comodismo ou assassinato dos sonhos. Eu queria uma vida de Tumblr (naquela época, o Tumblr estava em alta), mas ela não existe, o que não quer dizer que eu não fotografe certos momentos e coloque uma boa edição no Lightroom. A minha xícara de café de todos os dias é bem Tumblr, bem Pinterest, bem Explorer do Instagram. Depois eu cuido das tarefas do trabalho (um trabalho do qual eu não gosto!!!), faço meu almoço (como quase a mesma comida a semana inteira e é meio sem graça), vou caminhar no calçadão no fim do dia e à noite leio livros sob a luz amarela da minha sala. 

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Não é a vida que eu imaginava, mas é uma vida romântica até onde dá. O sol que eu vejo no fim do dia é bem amarelo e, nesta época do ano, há flores rosas e brancas em árvores aqui do meu bairro. Às vezes, passo no mercado e trago um buquê de crisântemos para casa. O meu sofá é bastante confortável e de vez em quando eu compro uma caixa de chá de uma marca mais cara que é muito saborosa. Aos fins de semana, mudo o tom de luz da minha lâmpada inteligente e coloco um filme bom para assistir. É muito agradável, de verdade. Nem todos os dias estou alegre, mas às vezes olho para cada coisinha dessa e me sinto muito agradecida. Deus sabe que eu não sou a filha mais grata que Ele tem, mas eu tento não dar muito trabalho. 

Ainda assim, olhando para dez anos atrás, eu poderia dizer que lamento não ter sido uma jovem que sonha melhor – não mais alto, mas melhor. Uns sonhos mais realistas e menos fantasiosos, com mais a minha cara e menos genéricos, como se tivessem sidos comprados em uma loja de departamento. Por outro lado, consigo me orgulhar de como lapidei a minha personalidade. Tudo do que gosto e do que não gosto tem muito de mim. Eu soube ser autêntica sem ser caricata.

Também tenho orgulho do caráter que podei. Posso dizer que não fui desleal, irresponsável e leviana com ninguém – talvez comigo mesma, mas não vem ao caso! Errei, sim, incontáveis vezes, mas para muitas pessoas, em muitas circunstâncias, eu estive lá e não fui embora enquanto ouvia alguém gritar meu nome. E não digo isso para ser premiada, mas para me lembrar de que em primeiro lugar eu procure ser sensata e boa, porque são coisas das quais eu não vou me arrepender quando o barqueiro vier me buscar.

Escritora, jornalista e leitora assídua desde que se conhece por gente. Escreve por achar que a vida na ficção é pra lá de interessante.

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Sabryna Rosa