Quando escrevemos o primeiro rascunho da nossa história tendemos a despejar todas as cenas que vêm à cabeça, correndo o risco de nem sempre julgar bem a utilidade dela para a narrativa como um todo. Essa correção geralmente acontece na etapa seguinte, a edição do livro. Mas como saber se uma cena deve ou não estar ali? Como avaliar? Fazendo essas três perguntas a seguir:
1) Esta cena ajuda a trama a evoluir?
Ora, a função de cada cena é levar a história para frente, descrever uma ação executada por um personagem. Quando eu falo em ação não precisa, necessariamente, ser algo físico e específico, como narrar o personagem em tempo real falando ou caminhando, mas pode ser algo mais abstrato, como pensar ou lembrar de eventos passados. Observe esse trecho do livro Max Perkins – Um Editor de Gênios, que é uma biografia, mas serve para ilustrar.
“Seis anos haviam se passado desde a publicação de O Grande Gatsby. Nos últimos dois, Fitzgerald quase não encostara o lápis no papel. Decerto o fator principal para essa falta de progresso durante esse período havia sido a doença da esposa”. (Max Perkins – Um Editor de Gênios, A. Scott Berg).
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Vejam como o autor resumiu seis anos em três frases e deu utilidade para a cena, neste caso informar o leitor que o escritor Fitzgerald tivera um hiato longo entre um dos seus livros mais famosos e o tempo atual da narrativa.
Isso é o que cada cena do seu livro precisa fazer: levar a história adiante, no ritmo que você considerar mais adequado para a dinâmica da narrativa. Do contrário, ela só estará ocupando espaço no seu livro.
2) Esta cena cria um conflito?
Esse tópico poderia estar contido no anterior, mas eu resolvi deixá-lo separado porque nem todas as suas cenas criarão um conflito propriamente dito, mas servirão para desenvolver um conflito anterior ou posterior, como se estivesse preparando o terreno para algo que ainda estar por vir.
Neste caso, você precisará avaliar a utilidade específica da cena.
Veja mais esse trecho da biografia de Perkins.
“De repente, desencadeou-se o caos na vida de Wolfe. Scott Fitzgerald contara onde Tom estava a uma mulher em Paris, que telegrafou a novidade para Aline Bernstein nos Estados Unidos, que, por sua vez, começou a mandar para o escritor cartas e telegramas falando de morte e agonia e ameaçando embarcar para a Europa a fim de encontrá-lo”. (Max Perkins – Um Editor de Gênios, A. Scott Berg).
Olhando assim parece um trecho avulso, mas o leitor do livro que chegou até aí sabe que Aline é uma ex-amante que vinha perseguindo Thomas Wolfe e implorando para que ele reatasse o caso amoroso. Ou seja, o leitor sabe que a moça sair dos EUA para a Europa não é um bom sinal. Valeu a pena o biográfo ter inserido a informação pois ela ajuda a entender o contexto da vida de Wolfe, um dos escritores que Perkins associou durante sua carreira.
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3) Esta cena tem uma informação relevante?
Suponhamos que você escreveu uma cena que não mexe muito na dinâmica da narrativa e nem cria, desenvolve ou prepara nenhum conflito, mas se salva por conter uma informação relevante. Deixe-a onde está.
“Ele não tinha desejo algum de se apegar aos seus ‘restos fedorentos de peixe podre’ de um original, mas, escreveu a Perkins, se alguém quisesse saber quando teria um novo livro lançado, ele responderia sem se desculpar: ‘Quando eu terminar de escrevê-lo e descobrir alguém que queira publicá-lo’”. (Max Perkins – Um Editor de Gênios, A. Scott Berg).
Nessa passagem há a transcrição de uma das cartas de Wolfe a seu editor, Max Perkins, e é uma fala que mostra a personalidade explosiva e até um pouco imatura do autor. Uma informação relevante pode ser exatamente isso, um trecho que contribua para a apresentação do personagem ou que dê o tom do contexto da narrativa naquele instante.
Esses são alguns pontos de partida que você pode usar para avaliar as cenas do seu livro. Ademais, uma que nunca falha é imaginar a história sem ela. Se não causa nenhum prejuízo, é dispensável.