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Para Leitores

Charlotte e Mr. Collins: como abrir mão do romantismo pode ser uma boa decisão

Em Orgulho e Preconceito, o casal Mr. Darcy e Elizabeth Bennet arrancam suspiros há mais de duzentos anos. Ele, um homem arisco por fora, porém gentil e cuidadoso por dentro, elegante, culto e com uma boa fortuna. Ela, romântica, não ingênua, inteligente, com bons modos e ideias firmes. Juntos, descobrem um amor capaz de superar as mais sólidas más impressões. Mas há outro casal nessa história que sempre me chamou atenção, tanto no livro quanto no filme. Trata-se de Mr. Collins e Charlotte Lucas, e é a partir da história deles que eu vou falar como abrir mão do romantismo pode ser uma boa decisão.

Mr. Collins é primo das irmãs Bennet e o primeiro na linha de herança por ser o parente homem mais próximo do pai de Elizabeth. Durante uma visita, ele pede nossa mocinha em casamento e tem sua proposta recusada sem hesitação.

Acontece que Mr. Collins queria muito, muito, casar com alguém, e encontra em Charlotte, amiga de Elizabeth, outra candidata. Essa, por sua vez, aceita o pedido de prontidão, e já sabendo que será criticada, aproxima-se cheia de dedos de Elizabeth e conta a novidade, recebendo como resposta uma clara desaprovação.

Charlotte, contudo, reage, a meu ver, de maneira bastante sensata e madura.

Na cena do filme ela diz: “Tenho 27 anos e nenhuma perspectiva. Sou um estorvo para os meus pais”.

Na narração do livro: “Tinha 27 anos e jamais fora bela. Sabia portanto que tivera sorte”.

Num contexto em que uma mulher não tinha como prover sozinha o seu sustento, suas únicas opções eram receber uma boa herança dos pais ou se casar. Charlotte, dada sua condição – era considerada “velha” – não podia, e nem queria, se dar ao luxo de continuar esperando por um príncipe encantado, algo totalmente fora da realidade

“Sem ter grandes ilusões a respeito dos homens ou do matrimônio, o casamento sempre fora o seu maior desejo; era a única posição tolerável para uma moça bem educada, de pouca fortuna”.

A forma como Elizabeth vê a situação, e até como a narrativa a apresenta para nós, é como se a decisão de Charlotte fosse digna de pena, mas eu sempre vi por um outro ângulo. Eu vejo como alguém que resolveu uma pendência de maneira prática.

Mr. Collins, embora fosse sem graça e vaidoso, não era exatamente um qualquer. E também não estava procurando um grande amor – tanto que fez dois pedidos de casamento em menos de três dias – mas uma esposa com quem pudesse compartilhar a vida e a construção de uma família, algo para o qual ele já vinha se preparando, inclusive, financeiramente. Exatamente o que Charlotte precisava.

“Bem sabe que não sou romântica. Nunca fui. Desejo apenas um lar confortável. E considerando o caráter de Mr. Collins, as suas relações e a sua situação na vida, estou convencida de que tenho as mesmas possibilidades de ser feliz no casamento que a maioria das mulheres”.

Essa fala de Charlotte pode parecer materialista e superficial, mas se observarmos com cuidado veremos que nenhum dos dois está interessado em romance de novela (ou de livros), mas em encontrar um bom par para formar uma família. E ainda assim, Charlotte acredita que pode amá-lo e ser feliz.

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Nessa circunstância, eu acredito que os dois se propuseram a assumir um compromisso e honrar com ele, sendo úteis um ao outro e servindo com dignidade à família que formarão.

É muito diferente de Elizabeth, que está procurando, querendo, suspirando, por um amor. Por isso, não gosto de sua atitude naquela cena, porque Elizabeth tira a situação de Charlotte pela dela. Em outras palavras, ela espera que a amiga ignore suas particularidades e aguarde por um partido melhor, ainda que o menos interessante apresente características fundamentais para ela e que um pretendente supostamente mais adequado esteja bastante fora do seu horizonte.

Trazendo para a realidade, para mim é impensável que uma mulher adulta coloque suas expectativas amorosas em Mr. Darcys, como se nenhum outro homem abaixo desse ideal servisse para formar uma família, quando, na verdade, é o próprio personagem de Mr. Darcy que não existe na vida real (ou pelo menos é raríssimo de encontrar).

Tanto não existe que muitos homens se aproveitam do ideal hollywoodiano para fingirem ser o que não são e conquistarem mulheres com ações baratas de comédias românticas que não dizem muita coisa, são apenas bonitinhas.

Quanto mais uma mulher espera por Mr. Darcy sem defeitos, mais ela está sujeita a se deixar enganar. O amor pode acontecer com um homem comum, que muito provavelmente não vai ser bonito, elegante, gentil, rico, inteligente e engraçado ao mesmo tempo. E isso está muito longe do “ficar com qualquer um / se contentar”; trata-se de saber quais características ela valoriza e de entender que príncipes encantados só existem nos filmes da Barbie e nos romances de Jane Austen.

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Escritora, jornalista e leitora assídua desde que se conhece por gente. Escreve por achar que a vida na ficção é pra lá de interessante.

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Sabryna Rosa