Numa caixa na prateleira de baixo guardei tudo o que me pertence, independente do valor. De uma marca-páginas marrom a um mouse quebrado.
Também aquela saia laranja, aquele sonho para o qual me faltou coragem, os dias em que, ansiosa, não dormi, os itens que não pude comprar, os textos que não escrevi, as mágoas que engoli, o desespero que alimentei, os silêncios que não apreciei, as palavras que falei sem pensar, as belezas que não contemplei, os lugares aonde não fui, as flores que não plantei e muito menos colhi, as músicas que não ouvi, outras tantas que não cantei; o máximo que não fiz, os dramas que encenei, o muito que errei, o pouco que acertei, os vários que sequer tentei. Os dias que não vi, os sóis aos quais assisti, os nomes dos quais não me esqueci, as mensagens que não enviei e as que enviei, mas apaguei. As orações que não fiz, os perdões que não pedi, os remédios que não tomei, os sorrisos que escondi e os que ofereci. Os livros que li, os que quero ler, os filmes aos quais assisti e as fotos que tirei.
É uma caixa bem grande e funda, pesada de tanta ausência, tanta supressão e covardia. Dentro, um pouco de exagero também. Tirei tudo e espalhei pelo chão como quem procura um pedaço de tecido bom no meio de retalhos. Não encontrei quase nada, então fui unindo os itens e tentando costurar alguma coisa para o ano novo.
A saia laranja fica, esse sonho parece realizável, vou pesquisar como que faz; respire fundo, conte até dez, nada vai ruir tão desastrosamente assim. Escrever mais, dar menos importância, não desesperar porque o poder de quem não desespera é enorme. Ficar em silêncio, reparar como o mundo é bonito que só. Plantar flores; não, não, comprar mesmo. Mais um, menos um. Comprar aqueles jogos de tabuleiro, deixar o sushi para a noite de sexta. Cantar em francês, italiano e latim. Dar o máximo e não se entristecer ao perceber que o máximo pode medir dez centímetros. Não ter medo de doer, tomar remédio. Olhar mais pela janela, o dia está passando. Enviar menos mensagens, receber, sim, e responder o quanto antes. Pedir e ouvir um sim, pedir e ouvir um não. Lembrar que tudo coopera.
Agora a caixa está mais leve, posso mudá-la de lugar e pô-la para a prateleira de cima. A caixa de baixo agora é outra. Ano que vem eu conto o que tem dentro.