Bastidores

O vento que nem sempre sopra

Quando você passa por um processo de conversão ao cristianismo — seja qual for a vertente —, é comum viver aquele momento em que sente o Espírito Santo envolver você de um modo tão forte que quase parece mágica. Você sente o êxtase, a alegria, a esperança, o amor de Deus, a fé — tudo passando pelo seu corpo como uma corrente elétrica de alta voltagem. E fica inebriado por dias, até meses, flutuando naquele mar de graça. Até que a corrente começa a deixar a sua pele, esvaindo-se pelos dedos, e você percebe que está voltando a ser o sujeito que era antes: um homem ou mulher comum, indo à igreja aos domingos, mas sem sentir nada de especial.

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Surge, então, a tentação de sair por onde entrou e reconhecer que tudo não passou de um delírio, uma experiência momentânea — como pular de paraquedas ou descer em uma montanha-russa: uma sensação boa, contudo, passageira.

Você começa a duvidar se houve mesmo um Espírito Santo, se ainda existe aquela fé que você jurava ser inabalável, e se sua conversão foi genuína — afinal, pecar não parece mais tão grave quanto naquele tempo em que você repelia todos os impulsos com facilidade, quando sua alma era forte como rocha. Passa a negociar consigo mesmo, a ceder, a se consolar, e já não recorre mais ao Pai porque agora Ele parece distante demais para ver ou até mesmo se importar.

Você não sente mais nada e, por não sentir mais nada, acha que acabou.

A verdade é que a vida cristã é muito mais cheia de altos e baixos do que pensávamos que seria no dia da nossa conversão. Achávamos que não haveria mais dúvidas, nem tentações, nem frustrações, nem preguiça, tampouco cansaço. Críamos que seria como voltar ao Paraíso! Não foi isso que nos prometeram? Vida nova?

Atenta, criatura. Atenta.

A vida nova nada mais é do que a vida com os problemas antigos — mas agora com um lugar na Cruz para olhar e a casa do Pai para se abrigar. Nem todo dia o toque do Espírito Santo vai queimar, nem todo dia a tua fé vai aparecer, nem todo dia tu vais acertar. Às vezes, entrarás e sairás do Templo com os mesmos problemas, as mesmas angústias; às vezes, não prestarás atenção no púlpito, não cantarás o hino com fervor e pensarás seriamente em não voltar no domingo seguinte.

Mas volta.

A conversão é todo dia,  às vezes com confete, às vezes não.

Escritora, jornalista e leitora assídua desde que se conhece por gente. Escreve por achar que a vida na ficção é pra lá de interessante.

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Sabryna Rosa