Sinopse
Mae é uma jovem recém contratada pelo Círculo, a maior e mais poderosa empresa de tecnologia do momento, cujo objetivo principal é unificar em um só sistema todas as transações do mundo virtual.
Sinopse
Há muitos pontos a serem discutidos sobre esse livro, vamos um por vez.
Eu compreendo a empolgação de Mae em trocar seu emprego em uma repartição pública de interior por um cargo “pequeno”, porém dentro da empresa mais badalada do país, como se ela estivesse indo trabalhar no Google ou no Facebook. Mas o Círculo é tão mais grandioso que desbancou as duas. Por isso, a primeira frase do livro é “Meu Deus, pensou Mae. É o paraíso”.
Ela se deslumbra com a arquitetura moderna, tecnológica, e sente o clima de futuro que paira sobre ela. Mae mal pode acreditar na sorte de ter uma amiga como Annie ali dentro, a ponte entre seus sonhos profissionais mais ousados e a realidade acontecendo.
“[Annie] É melhor estar no primeiro degrau de uma escada que a gente quer subir do que no meio de uma escada que não interessa, certo? Uma escadinha de cagões feita de merda”.
Mae começa no departamento de Experiência do Cliente, um setor que cuida basicamente do atendimento e pesquisas de satisfação – aquelas que as empresas sempre pedem que façamos no final de uma compra – e aqui ela descobre que trabalhar no Círculo significa correr atrás da excelência, por isso ela mesma está sendo avaliada o tempo todo, e sua meta é estar o mais perto da nota 100 possível. Com o tempo, o que era uma tela de trabalho vai se transformando em duas, três, quatro, cinco, até chegar em quase dez. Uma para trabalhar com os atendimentos, outra para interagir na rede social da empresa (sim, é obrigatório), outra para postar na rede social pessoal (também é), outra para ajudar os estagiários e por aí vai. Mae, acha o máximo, pois quanto mais telas, mais ela se sente importante.
Ah! Quanto mais os funcionários interagem online, mais eles sobem no ranking e estar dentro dos 2000 primeiros é importante, por isso Mae se esforça em responder, comentar e curtir o máximo de publicações possíveis.
Aqui começa a primeira crítica do autor. A exploração que existe por trás das empresas “cool” e suas salas de jogos, seus sofás coloridos e sua política juvenil e despreocupada, mas que tem como principal objetivo manter o funcionário o maior tempo possível dentro da empresa. O Círculo tem áreas para esportes, dormitórios, bibliotecas e piso com ladrilhos motivacionais, tudo para fazer o empregado se sentir mais em casa do que em sua própria casa. Aliás, a primeira advertência que Mae recebe é justamente por ter passado o fim de semana com os pais em vez de aproveitando as atividades extras do campus, sob a máscara de que todos ali fazem parte de uma comunidade e devem participar. O leitor já sente um clique na cabeça, mas Mae se desculpa e promete ser uma funcionária mais ativa.
“[Mercer] O que eu devia dizer é que espero o dia em que alguma minoria barulhenta finalmente se levante para dizer que isso foi longe demais e que essa ferramenta, que é muito mais insidiosa do que qualquer invenção humana criada até hoje, deve ser inspecionada, regulamentada, contida e que, acima de tudo, precisamos de opções para ficar de fora”.
A outra crítica se refere à obrigatoriedade de compartilhar tudo que se faz, e é a segunda advertência de Mae, que passeou de caiaque e não postou nenhuma foto ou comentou nada no Zing (uma rede social semelhante ao Twitter), algo inadmissível para um círculeiro. Mais uma vez, ela se retrata e diz que vai ser melhor. E assim, aos poucos, Mae vai sendo envolvida naquele universo de modo tão sutil, tão atrativo, que sua cabeça vai sendo moldada a pensar como eles.
Até a metade do livro eu achei a narrativa muito lenta e senti falta de mais cenas de ação, mas depois entendi que isso acompanha o ritmo da imersão de Mae naquele ambiente que vai sendo construído como perfeito, e que precisa dela, uma jovem visionária, esperta, inteligente, para fazer o mundo um lugar melhor. Então, o que antes era uma ideia espantosa, mas simples, de unificar transações bancárias online, compras, redes sociais, vai se transformando em algo que invade a liberdade individual das pessoas e as faz acreditar que a privacidade não deve ser um bem próprio, mas sim comum. Afinal, o que você faz quando todo mundo está vendo? Nada de muito errado, não é? Esse é o argumento base do Círculo.
Os poucos personagens lúcidos dessa trama, os pais de Mae, seu ex-namorado e um amante misterioso que aparece em sua vida, são perseguidos e taxados de antiquado, como se viver off-line não fosse mais uma opção. De repente, as pessoas sentem necessidade de acompanhar tudo, explorar tudo, saber tudo, perguntar tudo e ter respostas sobre tudo. O autor usa um recurso muito bom para satirizar os digitais influencers, que filmam praticamente cada segundo do seu dia (está lá pela parte II do livro) e como isso acaba sendo tão natural que passa despercebido pela racionalidade.
O final não tem nada de heroico, mas sim de muito realista – e que eu já imaginava que iria acontecer, embora esperasse também por um desenrolar clássico -, porque, afinal, que sinais nós temos de que estamos recuando nesse processo?
O Círculo foi adaptado para o cinema em 2017, com Emma Watson e Tom Hanks no elenco.
Sobre o autor
Dave Eggers nasceu em 1970, em Boston. É jornalista, escritor e editor-fundador da McSweeney’s, editora independente com sede em San Francisco. É autor dos livros Uma Comovente Obra de Espantoso Talento, O Que É O Quê (finalista do National Book Critics Circle Award de 2006), Os Monstros (versão romanceada do roteiro que originou o filme Onde Vivem os Monstros) e Zeitoun, além do romance Um Holograma para o Rei.
Sobre o livro
Título: O Círculo
Autor: Dave Eggers
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2014
Páginas: 521
Avaliação: 4/5
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