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[Resenha] Transgressões – Uzma Aslam Khan

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Sinopse

Paquistão, década de 90. Dia é a herdeira de uma fábrica de seda e de uma fazenda criadora de bichos-de-seda. Depois que seu pai foi morto em condições desconhecidas a administração dos negócios ficara a cargo dela e de sua mãe. Daanish é um jovem paquistanês que estuda nos EUA e volta para a cidade natal para o funeral do pai. Os dois se conhecem casualmente e começam um relacionamento às margens das regras e da verdade.

Resenha

No instante em que Dia e Daanish se conheceram, mais da metade do livro já tinha se passado e eu aceitado que essa história tinha um ritmo próprio. Antes que os dois se encontrassem muita coisa aconteceu, tanto no presente quanto no passado, e esses eventos precisavam ser contados.

O livro é dividido por seções e cada seção comporta uma série de capítulos encabeçados por um personagem em questão, todos em terceira pessoa.

Dia está na faculdade, mas não muito empolgada com seus estudos. Reprova disciplinas, é desleixada com as provas, e parte disso se deve ao fato de que algumas semanas antes o corpo do seu pai fora encontrado no rio com sinais de tortura. Mansoor era um dos homens mais ricos do Paquistão, e sua fábrica de seda a maior fornecedora do país, o que leva a família de Dia a achar que o crime tenha relação com inimigos políticos ou financeiros. Quando Riffat, sua mãe, assume a direção dos negócios, ela é alvo de críticas severas por parte da sociedade e de seu próprio núcleo familiar, que estranha uma mulher com tamanhas responsabilidades e coragem de aceitá-las. Porém, parte da prosperidade de toda a fortuna veio de sua inteligência e audácia.

“O que mais a história tinha mostrado? Que os rios sempre desembocavam no mar e era irrelevante saber qual braço chegava primeiro”.

Daanish é um muçulmano nos EUA com a Guerra do Golfo ainda fervendo na memória. Ele estuda jornalismo e usa esse contexto para criticar a imagem que os americanos fazem de si mesmos através da mídia. Contudo, todos os seus posicionamentos são taxados como falta de profissionalismo e que nessa profissão não há espaço para parcialidades – a ironia. Ele volta para casa e encontra uma mãe em luto que passa a direcionar suas emoções para um controle incisivo sobre a vida do filho. Daanish também começa a estranhar os costumes conservadores e a dinâmica das coisas em um país que sofre com a falta do básico, uma vez que ele vivia em uma sociedade onde as coisas são complicadas, em certo nível, mas desburocratizadas em outro.

Salaamat é um personagem secundário, porém de suma importância. Ele vem de uma vila de pescadores muito pobre e adquiriu uma deficiência auditiva depois de uma surra que levara na infância de homens da região. Na cidade grande ele começa a trabalhar em uma oficina de decoração de ônibus, uma paixão particular sua. Depois de três anos trabalhando apenas em troca de comida e de um cubículo para dormir, ele entra em contato com um grupo armado que defende a liberdade do Paquistão e o atrai para fazer parte da organização.

“[Dia] As histórias de amor não passam de um esporte de grande apelo popular”.

A autora costura esses três personagens até eles se encontrarem em um ponto comum que gira em torno do relacionamento de Dia e Daanish. Os dois se conhecem no funeral de Shafqat, pai de Daanish, depois de Nini convidar sua melhor amiga, Dia, para acompanhá-la a um evento que envolve seu futuro pretendente. Dia é terminantemente contra casamentos arranjados, e acha que essa é uma das formas mais claras de opressão às mulheres, pensamento incentivado por sua mãe. Nini, romântica e receosa da solteirice que leva a uma imagem mal falada, quer apenas cumprir com seu destino. Destino esse com o qual Anu, mãe de Daanish, está muito interessada em ajudar a construir.

Eu vejo que o livro de Uzma está ancorado em três pilares: a política (as questões militares dos EUA, o sistema paquistanês), a opressão contra as mulheres e os costumes muçulmanos, esses dois com mais força e o primeiro como pano de fundo em algumas cenas e diálogos que Daanish tem em seu núcleo.

A narrativa critica muito o valor dado às mulheres. Tão protegidas, tão bem cuidadas (quando dentro de casa), e tão lapidadas para o casamento. Mas se saírem às ruas sozinhas são alvos de comentários grosseiros e assédio escancarado. Quando Dia e Daanish burlam as regras e queimam etapas, para ela é um crime muito maior, enquanto para ele, aos olhos alheios, é apenas um inconveniente no caminho da sua relação arquitetada com Nini.

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Contudo, as Transgressões que o título adianta vão muito além desse sentimento que se esconde em lugares sabidos apenas por Salaamat. Começa muito antes dos dois nascerem, antes dos bichos-de-seda saírem de seus casulos e antes dessas famílias serem o que são. Dia e Daanish transgridem o que sabem e o que não sabem, e a consequência de erros passados acaba respigando em todo mundo, até nos mortos.

Além de falar bastante sobre o processo de produção da seda, desde a criação dos insetos, o livro também ambienta muitas cenas no mundo marinho, um lazer que Daanish dividia com o pai. Os dois sabiam identificar conchas, moluscos, e outras riquezas do oceano.

Eu achei que a escolha de não tornar o relacionamento de Dia e Daanish o ponto alto da trama deu equilíbrio à história, que soube dar o peso e a influência certa a cada personagem. Até mesmo Khurram, amigo e vizinho de Daanish, que aparentemente não tem uma função muito clara além de emprestar seu carro para os encontros do amigo, tem, na parte final, seu papel explicado. Também gostei que o casal não foi exatamente um símbolo do amor desesperado e dramático, mas uma relação usada para explicar outros pontos ao redor e mostrar como as expectativas mudam a depender do lugar onde você está.

Sobre a autora

Uzma Aslam Khan cresceu em Karachi, no Paquistão. Estreou com o romance The Story of Noble Rot. Lecionou inglês e literatura inglesa nos Estados Unidos, Marrocos e Paquistão.

Sobre o livro

Título: Transgressões
Autora: Uzma Aslam Khan
Editora: Bertrand Brasil
Ano: 2008
Páginas: 490
Avaliação: 3/5

Escritora, jornalista e leitora assídua desde que se conhece por gente. Escreve por achar que a vida na ficção é pra lá de interessante.

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Sabryna Rosa