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  • Bastidores

    Memórias que não estão no histórico do navegador

    Um dia, eu li que algumas pessoas sentiam falta de pesquisar sobre um conteúdo na internet, mais especificamente no Google, e encontrar respostas escritas, como em um blog, em vez de vídeos, como no Youtube ou no Tiktok. Seria uma demanda nossa, dos millenials, que vimos o search se popularizar, mas antes dele tínhamos que nos virar? Nasci e cresci em uma cidade no interior do Maranhão onde havia uma única biblioteca, no centro de uma praça, e na minha memória era um prédio grande com uma rampa comprida que levava ao andar superior; mas sei que, na realidade, é um prédio modesto com umas janelas de vidro voltadas para…

  • Contos

    [Conto] Amanhã talvez

    No escuro do teatro, enquanto um ator declamava um poema, ele segurava a mão dela com leveza sem imaginar que o pensamento dela havia voado para longe dali. Ao fim do espetáculo, ele seguiu com os comentários. Elogiou a atuação da companhia, mas ressaltou que na gestão do diretor anterior eles eram ainda melhores, mais concentrados e com peças mais inteligentes. Ela não disse nada, não sabia quem era o diretor anterior e tampouco se o grupo era melhor ou pior. A noite havia esfriado e ao dobrar a esquina ele ofereceu um casaco e ela respondeu algo que ele não havia perguntado. Ela disse que não gostaria mais de…

  • Contos

    Todos os dias bons

    Minha irmã Ellen sempre foi muito organizada. Quando criança, eu não me preocupava em memorizar o dia da aula de Geografia porque ela colava um papel sulfite na porta da geladeira com todos os nossos afazeres. Segunda-feira, aula de inglês, quinta-feira, uniforme de Educação Física, sábado, catequese. Sempre foi um prazer pessoal dela se dedicar a deixar tudo em ordem. Liguei para Ellen na sexta-feira e perguntei se gostaria de jantar comigo no restaurante novo do bairro, um mexicano com luzes coloridas e música sertaneja.  – Hoje é dia do futebol do Érico, ele gosta que eu vá. – Nenhuma esposa vai assistir a essas coisas, não é o dia…

  • Bastidores

    Mais aqui, menos acolá

    Ser mais quem eu sou e menos quem eu gostaria de ser. Perdi muito tempo olhando para quem eu queria ser. Não de um jeito inspirador, como quem olha para uma estatúa e pensa: eu queria ser bom o bastante para merecer ter uma estátua, mas de um jeito fantasioso, infantil, como quem olha para um personagem de desenho animado cheio de poderes. Quero olhar mais para quem eu sou e para o que posso fazer a partir disto aqui. Jogar a régua fora, esquecer as métricas universais; meu caminho é só meu. Às vezes é cheio, às vezes tenho que abrir a mata fechada a machadadas, mas é meu.…

  • Bastidores

    Armários e Caixas

    Numa caixa na prateleira de baixo guardei tudo o que me pertence, independente do valor. De uma marca-páginas marrom a um mouse quebrado. Também aquela saia laranja, aquele sonho para o qual me faltou coragem, os dias em que, ansiosa, não dormi, os itens que não pude comprar, os textos que não escrevi, as mágoas que engoli, o desespero que alimentei, os silêncios que não apreciei, as palavras que falei sem pensar, as belezas que não contemplei, os lugares aonde não fui, as flores que não plantei e muito menos colhi, as músicas que não ouvi, outras tantas que não cantei; o máximo que não fiz, os dramas que encenei,…

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    [ Conto ] Um dezembro a mais

    Naquele ano, ele apareceu na porta da casa dela com um buquê de oito gérberas e um livro de poemas. Na porta da casa havia uma guirlanda grande e desproporcional, ele observou, enquanto ela não atendia à campainha. Ele estava nervoso, namoravam há exato um mês e era Natal. Ele também levou um vinho para os pais dela, um vinho caro comprado com as economias de seis meses. Ela recebeu todos os presentes com o entusiasmo característico de quem está apaixonada. Era alérgica a gérberas, não gostava de poema e nenhum dos pais consumia bebida alcoólica, mas mesmo assim foi uma noite muito especial, ela o amava. No ano seguinte,…

  • Bastidores

    O que eu sei, o que eu imagino e o que eu invento

    Suponho que eu saiba um terço sobre você; o outro terço eu imagino e o outro eu invento. Sei que você é contido, talvez tímido, mas não retraído. Imagino que olhe para as pessoas com o semblante sério, não zangado, e que quando está sendo simpático mexa os lábios ligeiramente. Abrir um sorriso, esse sorriso do qual eu tanto gosto, só quando vale muito a pena – isso eu inventei. Eu sei que seu paladar não é muito dado a doces então imagino que você aceite aquele pedaço de pudim por educação. Em minhas invenções, porém, sei que você não recusa mesmo é uma boa fatia de goiabada. Leia também…

  • Bastidores

    Estética, poesia e avós

    Algumas pessoas nascem com a alma naturalmente poética. Por ‘naturalmente” eu quero dizer sem investir tanto esforço a ponto de ficar artificial, sem autenticidade e humanidade. Falo da avó que cuidava da flor mais simples do quintal, aquela que nasce em qualquer canto, e não do universitário que faz dois riscos tortos na face e chama de arte.  Penso nas referências estéticas dessa avó sem Pinterest e sem Instagram com filtro do Vsco Cam. Ela achava uma coisa bonita e ficava lá olhando. No máximo, fotograva com uma câmera analógica, mas só se realmente valesse a pena, para não gastar o filme. Talvez foi assim que surgiram as fotos de…

  • Bastidores

    Uma questão de sorte

    A Lindsay Lohan faz um filme muito bonitinho em que a personagem principal, Ashley, é uma baita de uma sortuda que depois de beijar um grande azarado troca de sorte com ele. Antes disso acontecer, em um dia de chuva, Ashley sai de casa e o porteiro do seu prédio a espera com um guarda-chuva na rua enquanto pede um táxi. Assim que ela põe os pés na rua, o céu abre e o dia cinza se transforma em um lindo de sol. Lembrei-me dessa cena ao ler em 1 Timóteo 6:8 que se temos alimento e vestuário, contentemo-nos com isso. Mais do que um impulso ao comodismo, pensar que…

  • Contos

    [ Conto ] Arquivo

    O pacote chegou em uma sexta-feira. Quando ele entrou em casa, lá estava uma caixa pequena, do tamanho de um celular, em cima do aparador. – O que é? – ela perguntou. – Um brinquedo novo. – Outro jogo? – ela deixou transparecer uma ligeira irritação. – Mais ou menos – e ele estava ansioso demais para se importar com a reação dela. Edgar sentou-se no sofá enquanto abria o volume. Dentro havia um par de fones de ouvido e uma pulseira digital, ambos na cor branca. Ele leu ligeiramente as instruções, pôs a pulseira no pulso, os fones no ouvido, e ouviu uma voz suave e feminina: Seja bem-vindo…

Sabryna Rosa