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  • Contos

    [Conto] Em outra vida, quando formos gatos

    Às sete horas da manhã eu já deveria estar pronto para sair. Normalmente, Tobias me acorda antes disso, mas não dá para culpá-lo agora. “Tobias! Cadê você, seu gato sem vergonha?” – chamo por ele enquanto calço as meias e os sapatos – “Não está com fome, hein? Será que você morreu?” – fiz piada e imediatamente me assustei ao pensar no meu gato morto. Ligeiramente frustrado pela ideia de tomar café na padaria em frente ao trabalho – a padaria com seus ovos mexidos cheios de gordura e o pão dormido -, saí em direção à cozinha na esperança de encontrar uma fruta perdida na geladeira e qual não…

  • Contos

    [Conto] Acendedora de Lampiões

    Uma vez minha avó me disse: “Se não procurar acordar pra vida, tu vai viver de acender lampião pros outros”. Ela viu numa novela e achou curioso uma pessoa cuja função era sair de poste em poste iluminando a rua. Achou um pouco triste também. Disse-me isso quando eu tinha lá meus dezesseis anos e voltei da rua entrando sorrateira pela porta da cozinha.  “Cadê tua irmã, hein?”, mamãe perguntou, pegando-me desprevenida.  “Sei não”, menti. “Não sabe ou não quer dizer?? Eu quero é saber de Marcinha se agarrando com o filho de Tonho. Vocês acham que eu não sei das coisas aqui dentro de casa. Sem vergonhice dessa” –…

  • Bastidores

    Agora que cheguei ao futuro, quero voltar

    Quando criança, eu imaginava um futuro com carros voadores, roupas metálicas e teletransporte. Na minha mente, eu estaria dentro de um automóvel andando sobre ruas estupidamente limpas, prédios escandalosamente altos e espelhados, e totalmente confiada a uma inteligência artificial que diria com voz aveludada: “Seu destino está próximo”, e então deslizaríamos suavemente até o chão. Hoje estou no futuro e em vez de uma voz aveludada o que eu ouço é uma gritaria, e uma gritaria sem som porque se trata de uma gritaria de caracteres. Para onde quer que eu olhe, várias pessoas, inúmeras delas, uma verdadeira multidão, fala de mim. Elas falam sem quem eu possa ouvir uma…

  • Contos

    [ Conto ] Depois do horizonte não dói

    Quando a moeda caiu no mar estavam os dois dentro de uma canoa virada para o horizonte. Ele ainda tentou apanhá-la de volta, mas muito rapidamente o metal rodopiou entre as pequenas ondas e afundou.“Era a última”.“Tudo bem”.“Compro outra para você na volta”.“Não importa, é só uma moeda”.“Uma moeda personalizada”, ele tentou parecer animado. “Deveríamos ter guardado todas na mochila. Foram caindo uma por uma, que coisa”.“Precisamos voltar, vai anoitecer muito em breve”.“Temos tempo”.Ele fixou o olhar nela, mas ela se manteve olhando para longe. O balanço calmo das ondas fazia os dois subirem e descerem lentamente, quase flutuando.“Olhe para mim”.“Eu consigo olhar para o sol e não chorar, não…

  • Contos

    [ Conto ] Ruído Branco

    ― É a maior baboseira que ouvi nos últimos meses — Alan tomou um gole grande de refrigerante e sentiu o bolo de comida descer pela garganta — De tempos em tempos você me aparece com uma dessas. ― Escuta só, eu ainda nem terminei de falar — naquele dia o refeitório estava relativamente silencioso — Eu vi um anúncio online… ― Começa sempre assim. Com um anúncio online. Seu algoritmo deve ser uma porcaria. ― …é um programa imersivo de realidade paralela — Jonas não tinha parado de falar — Ele te leva aonde você quiser. ― Isso já existe. ― Não se trata apenas de realidade virtual. Eles proporcionam uma experiência muito mais completa, profunda, e, o melhor, prolongada no mundo…

  • Contos

    [Conto] O sol se põe rápido demais

    Combinaram de se encontrar às 16h:30, no último posto de gasolina antes da saída da cidade. Ele se arrependeu de ter vestido uma calça jeans branca assim que saiu do carro e os pés levantaram uma poeira fina que imediatamente grudou na barra da calça. Espanou o que deu, mas era inútil. Acenou com um leve movimento de cabeça para o único frentista, que sentado em uma cadeira branca de plástico aguardava o próximo cliente. Era um dia quente e ele já havia aberto dois botões da camisa do uniforme desde às onze da manhã. Com as mãos na cintura, andou devagar pra lá e pra cá ao redor da…

  • Bastidores

    Felicidade – Sabryna Rosa

    Em um país distante havia um homem muito rico cujo conselheiro o acompanhava desde a juventude. Era um sujeito sábio, coerente e humilde. No leitor de morte, o homem chamou o único filho e pediu que cuidasse de suas posses e não trocasse de conselheiro enquanto este vivesse. Dito isso, fechou os olhos e partiu. O filho, desacostumado a cuidar de finanças e negócios, mas bastante habituado a desordens de todos os tipos, passou a tratar com irresponsabilidade a fortuna do pai. O conselheiro, sabendo que fazia parte de sua função alertar e corrigir, lançou orientações e advertências. Apontou-lhe os erros e antecipou as consequências. Conheça meus livros Cansado de…

  • Bastidores

    O mundo precisa ser salvo – Sabryna Rosa

    Jerônimo sonhou que realizava um grande feito. Em sua mente adormecida ele se viu em cima de um palco, vestido em um bom terno, debaixo de holofotes e sob os olhares atentos de uma plateia cheia de expectativa. Era cerca de 10 anos mais velho e sua oratória era perfeita. À medida que explanava suas ideias, via as luzes refletidas nos olhos de quem ouvia. Em um evento histórico, ele anunciava que descobrira como viabilizar a distribuição de água potável para todas as comunidades do mundo que sofriam com a escassez. Conheça meus livros Acordou eufórico, certo de que aquele era o seu propósito e a sua missão na Terra.…

  • Bastidores

    Idas e vindas – Sabryna Rosa

    Uma garotinha esperava do lado de fora do consultório quando um corpo magro e trêmulo sentou à sua frente. Com o tronco curvado e as mãos entre os joelhos, o homem se acomodou meio desconfortavelmente no banco e balbuciou algumas palavras para si mesmo. A menina reparou no pé enfaixado e nos dedos cujas pontas não estavam mais lá e que pela cicatriz já haviam sido cortados fora há muito tempo. Curiosa, perguntou quem o acompanhava e como resposta ouviu um “Ninguém não” meio tímido. Imaginou ele voltando para casa guiando seu esqueleto cambaleante e um pé pela metade. Conheça meus livros Há algumas semanas, em outra sala do mesmo…

  • Bastidores

    A forma que a inveja tem – Sabryna Rosa

    Antônia rolou o feed do Instagram até o fim para descobrir que a sua antiga amiga de escola se transformou em uma empresária de sucesso, casada com um homem igualmente bem sucedido e muito bonito. A menina magrinha e pouco charmosa deu lugar a mulher de corpo esculpido e dentes incrivelmente brancos. Antônia, por sua vez, ainda morava na mesma cidadezinha, dava aulas de espanhol e permanecia solteira. Morava com os pais em um sítio e não em um apartamento de frente para o mar. Contudo, não era segredo para Antônia, nem para ninguém, que Marília conquistou o sucesso no atual empreendimento depois de trapacear em negócio antigos, e que…

Sabryna Rosa